Um dia, numa floresta encantada, encontrava-se: um príncipe, uma feiticeira e uma esponjinha de aço. A esponjinha fora parar lá devido um pé de vento, e por ser o bosque encantado, ela passou a ter vida e sentimento, e foi ela que quebrou o silêncio nesse encontro esquisito entre duas pessoas e uma coisa.
Vejam vocês – disse a esponjinha — não sei o que estou fazendo aqui! Ainda há pouco estava no parapeito de uma janela, e de repente uma bruta ventania me fez dar cabeçadas aqui e ali, até parar nesta floresta. Com isso fiquei cansada, e se chover vai ser ruim, porque enferrujo.
O príncipe, jovem de semblante bondoso, entrara na floresta por vontade própria. A feiticeira, feia como são todas elas, era descabelada, nariz curvo, mãos e pés tortos, tudo por causa das maldades que fazia. Quanto à esponjinha, era verdade o que dissera. Ela estava na despensa de uma casa, e mal a haviam apanhado, o telefone tocou, indo sua dona atender. Na conversa, que foi longa, pôs a esponjinha no peitoril da janela e dela se esqueceu. À tarde um vento forte, bumba! Carregou a esponjinha para onde Deus quis. Foi bom, porque se não fosse a ventania ela não iria parar na floresta encantada. Estaria no lixo morrendo aos poucos.
Uma conversa cordial então se estabeleceu entre os três, os dois personagens e a esponjinha. O príncipe contou que entrara na floresta porque estava à procura de sua amada, uma princesa com quem ele iria casar, mas um rival de má conduta raptou a moça. Vendo o raptor embrenhar-se na floresta, pretendia capturá-lo recuperando a jovem. A feiticeira narrou também sua desdita: cansou de fazer bruxaria. Porém, não conseguia redimir-se porque as pessoas não paravam de procurá-la, impedindo assim dela regenerar-se. Decidiu então entrar na floresta com caldeirão, livro, vassoura e tudo, para que ninguém aprendesse essas coisas das quais ela agora tanto se arrependia.
Nessa prosa amigável, os três ficaram amigos e passaram a caminhar juntos pela floresta. Cada um pensando como resolver seus problemas. Andaram, andaram, até que ouviram passos… Apuraram os ouvidos e caminharam em direção do ruído. Qual não foi a surpresa: o rival do príncipe conduzia à força a jovem que, de tanto se debater, estava a ponto de desmaiar. Ao ver seu amado, desesperada ela gritou: — Salve-me meu Cavaleiro! Só você é dono do meu coração! Ao ouvir o apelo da moça o príncipe teve suas forças redobradas: entrou em luta feroz com o enfurecido competidor.
Nessa hora a confusão foi tanta, que o chapéu pontudo da feiticeira voou para longe, esbarrando na esponjinha que, aos trambolhões, caiu ao chão, cuidando de não ser pisada. A luta foi intensa… O raptor tinha físico avantajado, força bruta, e não se conformava em não ter a jovem para si… Nessa peleja entre o Bem e o Mal, o amoroso príncipe foi o vencedor! Derrotado, o raptor fugiu para não ser preso. A princesa, comovida e banhada em lágrimas, correu para os braços de seu amado, até que seu coração mansamente se aquietou no ritmo do Amor Universal. Era tão bonito de se ver… A feiticeira, que por ter escolhido o caminho do mal, não costumava ver cenas assim tão bonitas, emocionou-se. O arrependimento dela foi tão grande, que chorou, chorou, chorou tanto, que seu nariz virou chafariz. Ela então sentiu um desejo muito bonito dentro dela: o de também ser amada…
Este sentimento novo da feiticeira, nunca antes experimentado por ela, era sincero. A floresta então, que era encantada, começou a transformá-la numa nova criatura. Aos poucos sua aparência antes repugnante, foi dando lugar a uma beleza singela. O nariz curvo e encaroçado tornou-se delineado; os cabelos secos e desgrenhados, ficaram macios e sedosos; os olhos mortiços brilhavam como estrelas; os dentes amarelados ficaram cor de leite; os lábios ressequidos tornaram-se rubros; as unhas que mais pareciam garras ficaram rosadas; e as mãos tornaram-se um primor de delicadeza. Sapatinhos de veludo agora revestiam seus pés que se tornaram mimosos. Um lindo vestido azul cobriu-lhe todo o corpo, que por sua vez tornou-se esguio e formoso. A esponjinha que tudo isso assistia, ficou tão arrepiada, que se tornou uma esponja mais cheinha de fios.
Surpresos com a transformação, o príncipe, sua noiva e a própria feiticeira, já agora redimida, não cabiam em si de contentes. Estavam tão emocionados, que se esqueceram da esponjinha. Entristecida de se ver assim posta de lado, a esponjinha cuidou de arranjar um jeito de chamar a atenção sobre si mesma: fez então o que mais sabia: dar brilho! Mas dar brilho em quê? Na floresta nada havia para fazer brilhar. Foi então que ela se lembrou do caldeirão da feiticeira. Começou então sua batalha! Plantou-se na alça do caldeirão e mãos a obra! Quer dizer, mãos ela não tinha, mas deu iniciou a esfregação! Foi um trabalho penoso, cansativo, e demorado. O caldeirão era enorme, e parecia nunca ter sido limpo. Quando já havia feito brilhar metade da grande vasilha, a esponjinha teve a impressão de ouvir uma voz doída dizer assim: “Ai de mim!”. De onde teria vindo a voz? Parou de polir e ficou na escuta. Nada! Recomeçou então o seu trabalho. A voz retornou: “Ai de mim senão brilhar”. A esponjinha ficou atônita: que seria aquilo? Estaria a voz suplicante vinda do caldeirão? Não podia ser. Teria relação com o polimento? O jeito era continuar seu trabalho para ver no que dava. Deu mais ligeireza ao polimento, até que deixou o caldeirão tinindo de brilho! De repente aquele belo Sol de Metal em que se transformara o caldeirão, transformou-se num guapo rapaz! Pulando de contente, o jovem queria, na mesma hora, abraçar o seu salvador, aquele que o fizera voltar à forma humana…
Onde está meu salvador? Aquele que me libertou? – perguntava ele insistentemente. Após saber que quem o salvara havia sido uma esponjinha de aço, abraçá-la seria difícil, mas já que ela falava e tinha sentimento, fazia questão de conversar com ela. Saíram os três a procura da esponjinha, até que acharam o que dela restara… A coitadinha, de tanto polir o caldeirão, se desgastara, agonizava… Entretanto, como nem um fio de cabelo cai sem que Deus permita, a exausta esponjinha foi reanimada com o refrescar de uma fadinha, a fim de poder ouvir a estória do jovem que havia virado caldeirão. O rapaz então contou a sua desdita:
Assim como a feiticeira ele havia causado sofrimento às pessoas com suas bruxarias. E como tudo que se faz de mal um dia retorna para quem age desse modo, o dia dele chegou! Foi vítima de suas próprias maldades. Numa das vezes em que fazia essas coisas, errou na fórmula… Brucutu! Virou caldeirão com alça e tudo! Só voltaria a ser gente no dia em que a enorme vasilha brilhasse como sol! E como feiticeiros nunca limpam o caldeirão, sua desventura não teria fim. Ao terminar sua comovente estória, o jovem sentiu o olhar amoroso e enternecido daquela que, como ele, no passado também fizera bruxarias: a feiticeira, agora redimida e linda como um pôr de sol.
A esponjinha, quase a se desmantelar, não tinha mais a abundante cabeleira. Ficou tão contente de ter sido ela a libertadora do jovem, que momentaneamente descuidou-se de si mesma: um ventinho à toa carregou-a de novo para longe. Por mais que os três a procurassem não mais a encontraram. Mas a Natureza, sempre generosa com quem faz o bem, orientou o deus do vento para que pousasse a esponjinha num lugar bem especial: um ninho de passarinho em construção. Os fios desgastados da esponjinha, agora macios que nem penugem, iriam servir ao cansativo trabalho da avezinha, no seu vai e vem diário. Sua nova utilidade seria a de proteger os ovos da futura mamãe-passarinho. Esse ninho serviu durante muito tempo, estendendo assim a vida útil da esponjinha que um dia um pé de vento arrastou para a floresta encantada.
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Zélia Scorza Pires
São Lourenço, MG, 28/01/1996