HÁ 60 ANOS UMA COMOÇÃO GERAL
TOMOU CONTA DO BRASIL
Com atraso de alguns dias, recordemos os 60 anos da triste data de 24 de agosto de 1954: ao amanhecer desse dia, o Brasil foi palco de comoção geral: o Presidente Getúlio Dornelles Vargas, aos 72 anos de idade, suicida-se com um tiro no coração. O trágico acontecimento ocorreu no Palácio do Catete, Rio de Janeiro, então Capital da República.
Afora nossa própria opinião, buscamos dados na Internet, os quais informam que na véspera desse dia o Presidente esteve em reunião com seus ministros procurando encontrar solução para o momento difícil vivido pelo Brasil. Intrigas, inverdades, armadilhas bem montadas, traições de onde se esperava e outras não esperadas e as manchetes atiçando a vingança dos inimigos do governo, Getúlio se encontrava num impasse: licenciar-se do cargo ou resistir e nesse caso seria retirado à força.
No final da reunião com os ministros, que varou a madrugada, Getúlio aguardava deles algo que o confortasse ou em que pudesse se apoiar. O conselho recebido foi para ausentar-se temporariamente do cargo. Diante “da fraqueza dos amigos que não o defenderam”, Getúlio deixou o seguinte recado em sua agenda: “Já que o ministério não chegou a uma conclusão, eu vou decidir: determino que os ministros militares mantenham a ordem pública. Se a ordem for mantida, entrarei com pedido de licença. Em caso contrário, os revoltosos encontrarão aqui o meu cadáver”.
Nesta anotação percebe-se que Getúlio esperava de seus ministros e correligionários o apoio que não teve e que tanto precisava. A desconfiança, a dúvida, o medo e até os favores recebidos, tudo foi rapidamente esquecido… Sentiu-se só e desamparado o Chefe da Nação. Nota-se também a preocupação dele com a tranquilidade pública: o povo não deveria sofrer as consequências de seu afastamento como Governante Maior. Manter a ordem era função de seus ministros militares. A desordem sempre vem acompanhada da força bruta… Vemos isso hoje quase diariamente. Getúlio amava o povo e o povo o amava, considerando-o como “o pai dos pobres”, epíteto que incomodava aos que na maior parte vivem da exploração alheia.
Aparentemente Getúlio parecia ter concordado em se licenciar. O ódio do articulador do movimento, com seu poder de persuasão tanto na fala como na escrita, soube contaminar a mente de outros igualmente contrários ao governo getulista, até que finalmente veio a público o que o instigador-mór tanto queria: “Deliberou o Presidente Getúlio Vargas… entrar em licença, desde que seja mantida a ordem e os poderes constituídos… em caso contrário, persistirá inabalável no propósito de defender suas prerrogativas constitucionais, com sacrifício, se necessário, de sua própria vida”.
Nota-se nas palavras de Getúlio uma segunda alusão ao suicídio… Era tanto o ódio dos que o queriam fora do poder, que sequer atentaram para isso. Ou fingiram não ver…
No final da reunião ministerial, Getúlio assinou um papel que nenhum dos ministros soube do que se tratava e nem tiveram coragem de perguntar, talvez em respeito ao momento difícil vivido por ele. Getúlio sobe então as escadas que o levariam aos seus aposentos, e despedindo-se de Tancredo Neves, seu ministro da Justiça, lhe dá de presente uma caneta Parker de ouro, ao mesmo tempo em que dizia: “Para o amigo certo das horas incertas”.
Tais palavras devem ter preocupado Tancredo, mas como acontece a todos nós, temos o mau hábito de não dar atenção às nossas intuições. 30 anos depois, ou seja, em 03 de agosto de 1984, em depoimento ao jornalista e escritor Carlos Heitor Cony, Tancredo narrou o que a revista Manchete posteriormente publicou: os acontecimentos vividos na fatídica manhã de 24 de agosto de 1954:
“Por volta das sete e meia, oito horas da manhã, ouviu-se o estampido seco. Desceu o elevador, às pressas, o Coronel Dornelles, um dos oficiais de serviço na presidência. Nós subimos apressadamente para o quarto onde o presidente se achava. Os primeiros a entrar foram o General Caiado, Dona Darci, Alzira, Lutero e eu. Encontramos o presidente de pijama, com o meio corpo para fora da cama, o coração ferido e dele saindo sangue aos borbotões. Alzira de um lado, eu do outro, ajeitamos o presidente no leito, procuramos estancar o sangue, sem conseguir. Ele ainda estava vivo. Havia mais pessoas no quarto (o grifo é nosso), quando ele lançou um olhar circunavegante e deteve os olhos na Alzira. Parou, deu a impressão de experimentar uma grande emoção. Neste momento, ele morre. Foi uma cena desoladora. Todos nós ficamos profundamente compungidos; esse desfecho não estava na nossa previsão. O presidente em momento nenhum demonstrou qualquer traço de emoção, nunca perdeu o seu autodomínio, jamais perdeu sua imperturbável dignidade, de maneira que foi um trágico desfecho, que surpreendeu a todos e nos deixou arrasados”.
Quem escreve estas linhas também sofreu forte impacto ao ouvir pelo rádio a notícia do suicídio de Vargas. Nosso pai gostava muito do Presidente; em sua lojinha ele tinha um retrato grande de Getúlio, emoldurado. Era comum ouvirmos a modinha que para Getúlio fizeram: “Bota o retrato do velho outra vez/ Bota no mesmo lugar/ (bis) O sorriso do velhinho/ Faz a gente trabalhar/ Eu já botei o meu/ E tu não vai botar?/Já enfeitei o meu/ E tu não vai enfeitar?/ O sorriso do velhinho/ Faz a gente se animar”.
Poucos dias atrás vimos na TV Brasil a neta de Getúlio Vargas, que na ocasião da tragédia tinha 10 anos de idade. Ela contou que o caixão que conduzia o corpo de seu avô foi carregado nos ombros do povo; e foi para esse povo que Getúlio deixou uma carta manuscrita, a qual foi levada ao conhecimento público após 13 anos, por Alzira Vargas, “por insistência de Carlos Lacerda, que não acreditava que tal carta manuscrita existisse”. Sempre ele, “o autor intelectual da morte de Getúlio Vargas”.
Eis o teor: “Deixo à sanha de meus inimigos, o legado de minha morte. Levo o pesar de não ter podido fazer, por este bom e generoso povo brasileiro, e principalmente pelos mais necessitados, todo o bem que pretendia. A mentira, a calúnia, as mais torpes invencionices foram geradas pela malignidade de rancorosos e gratuitos inimigos, numa publicidade dirigida, sistemática e escandalosa.
Acrescente-se na fraqueza dos amigos que não defenderam, nas posições que ocupavam, à felonia de hipócritas e traidores a quem beneficiei com honras e mercês, à insensibilidade moral de sicários que entreguei à Justiça, contribuindo todos para criar um falso ambiente na opinião pública do país contra a minha pessoa. Se a simples renúncia ao posto a que fui levado pelo sufrágio do povo me permitisse viver esquecido e tranqüilo no chão da pátria, de bom grado renunciaria. Mas tal renúncia daria apenas ensejo para, com mais fúria, perseguirem-me e humilharem-me. Querem destruir-me a qualquer preço. Tornei-me perigoso aos poderosos do dia e às castas privilegiadas. Velho e cansado, preferi prestar contas ao Senhor, não dos crimes que não cometi, mas de poderosos interesses que contrariei, ora porque se opunham aos próprios interesses nacionais, ora porque exploravam, impiedosamente, aos pobres e aos humildes. Só Deus sabe das minhas amarguras e sofrimentos. Que o sangue dum inocente sirva para aplacar a ira dos fariseus. Agradeço aos que de perto ou de longe me trouxeram o conforto de sua amizade. A resposta do povo virá mais tarde…”
Outra carta existe e esta datilografada, ficou registrada na História como Carta-Testamento.
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Em 15 de Setembro de 2010, após 56 anos, pela lei 12.326, Getúlio Dornelles Vargas foi finalmente inscrito no Livro dos Heróis da Pátria.
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Parece não ter fim o jogo do mal contra o bem. Os interesses especulativos e outros igualmente indignos nunca se conformam em ficar em plano secundário. Para eles, que adianta olhar pelos humildes se eles já se acostumaram à vida que têm? Quando alguém bem intencionado se torna candidato ao cargo máximo do País, mesmo que se torne vitorioso, tudo se faz para que ele encontre dificuldade em sua gestão, até que a oportunidade bem “montada” possa tirá-lo de circulação… O Brasil parece ter um estranho estigma a esse respeito. O acontecido a Vargas, a morte de Juscelino, onde no acidente de carro morreu também seu motorista, até hoje está muito mal explicada. João Goulart, presidente deposto pelos militares com a ajuda da UDN, organização que o eminente Professor Henrique José de Souza chamou de “maldito partido político”; há suspeita de ele ter sido posteriormente assassinado por envenenamento na Argentina, pela Operação Condor. Tancredo Neves, presidente eleito, infelizmente não tomou posse e informações não oficiais dizem que ele recebeu um tiro após ter assistido missa um dia antes de tomar posse. Até morrer padeceu dias seguidos, fazendo todo o povo sofrer. Tanto Tancredo quanto João Goulart foram ministros do Presidente Getúlio Vargas: Tancredo, Ministro da Justiça, e Goulart, Ministro do Trabalho.
Nos tempos atuais o “time do bem” tinha como presidenciável Eduardo Campos, que poderia ou não crescer nas pesquisas, mas desaparecer assim, quase fulminado, ele e seus sete companheiros, num acidente em que quase nada sobrou de tão forte o impacto, até agora as explicações também estão bastante confusas…
Nós, brasileiros, precisamos descobrir porque o Mal tem se saído vitorioso sempre que o Bem quer alavancar o Brasil!
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Em 08 de março de 1960, com a transferência da Capital para Brasília, o Palácio do Catete passou a Museu da República.
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Zélia Scorza Pires
São Lourenço, 28.08.2014