Eymar da Cunha Franco

Eymar da Cunha Franco, escritor, poeta e filósofo, nasceu em 17 de setembro de 1921, na propriedade de seus antepassados, em Urucuritiba, município de Aveiro, região “onde seu pai foi prefeito por duas vezes”. Aos nove anos de idade foi estudar em Belém, formando-se Engenheiro Agrônomo em 1941. Sob o patrocínio da CBA- Comissão Brasileira-Americana, instalou no planalto de Santarém, “uma fazenda para treinamento de filhos de agricultores”, onde permaneceu até 1948. Em função de sua carreira “percorreu diversos rios da Amazônia, recantos paradisíacos de lagos e rios, afluentes do Tapajós”. No IBGE trabalhou no Recenseamento de 1950/1960. Nas “diversas delegações aos Estados Unidos, Europa e América Latina, representou o Brasil junto à ONU, para Agricultura e Alimentação”. Em 1964 mudou-se para o Rio de Janeiro, e “em 1980, no auge de promissora carreira internacional“, porém “saudoso do seu querido rio Tapajós, trocou as salas de conferências da ONU por um retorno às suas origens”. Em Aveiro assumiu por mais de quatro anos “a base física de Fordlândia, nome de uma vasta área de terra às margens do rio Tapajós, adquirida em 1927 pelo empresário e magnata norte-americano Henry Ford, para a implantação de um mal sucedido empreendimento de produção de latex”. Reassumida a área pelo governo brasileiro, Eymar “aliou seu conhecimento e responsabilidade, liderando os ociosos trabalhadores que sequer cuidavam da preservação da Vila Americana, cujo sistema de água e luz muitas cidades amazônicas não tinham”. Chefiou “o escritório que o Ministério da Agricultura mantinha em Santarém”. Em 1989 aposentou-se, “passando a viver numa simpática residência rodeada de verde, a 15 km de Santarém”, cuidando de “seu pequeno sítio denominado Pouso Alto”, entregando-se à leitura, à conversação com amigos, a relembrar lendas amazônicas, e à meditação. Faleceu em Santarém aos 89 anos de idade, no dia 12 de abril de 2011.

Seu primeiro livro, O Tapajós que eu vi, foi lançado em 1998, “livro de memórias, repositório de informações sobre os Franco e o vale do Tapajós, publicado como parte das comemorações do sesquicentenário da elevação de Santarém à categoria de cidade”.  

O segundo foi Devaneios, do qual recebemos um exemplar junto com uma cartinha. Elucubrações de um velho chamado Eymar, foi o terceiro, publicado por iniciativa de sua esposa e prima de segundo grau, Ana Cecília Tavares Franco, como surpresa para ele na comemoração de seus 80 anos de idade. Temos um exemplar com dedicatória.   

Para o prazer dos leitores, algumas das poesias Eymar.

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Pequeno histórico baseado na Apresentação de Cristovam Sena, aos livros de Eymar Franco.       


Imagens

Algumas reflexões de Eymar Franco.
De seu livro:
“Elucubrações de um velho chamado Eymar”

 

Sou um incorrigível sonhador! Sem sentir eu mergulho num sonho cheio de encantamento, no qual eu vejo todos os homens livres de seus fardos, vivendo como irmãos numa terra possuída por todos, da qual o mal sobre a forma de guerra, morticínios, fome, domínio etc, tenha desaparecido para sempre. (15.08.1961)

Não estou contente e nem triste. Tinha que ser. O Eterno, na movimentação das peças da vida, deu-me alternativa de escolher e eu escolhi. Voltei à terra das mangueiras para passar não sei quanto tempo. Não obstante, eu às vezes sinto certa nostalgia daquilo que ficou para trás! É natural que um incorrigível vagabundo como eu, sinta saudades daqueles momentos de absoluta liberdade que gozava em Santarém. É natural que muitas vezes eu me surpreenda a escutar o canto dos pássaros nas sombrias veredas da floresta ou nas noites à beira dos caminhos; que eu sonhe estar andando descalço nas várzeas da beira do Amazonas; que eu relembre aqueles igarapés tão tranquilos e mansos, correndo por ali à toa, mergulhando docemente numa canção que ninguém quase escuta, porque escutá-la forçar-nos-ia a escutar a nós próprios, meditando no pouco que somos e nas loucuras de nossos sonhos inconsequentes. (02.05.1962)

Quando vejo a pobreza e a miséria, não me apiedo tanto dessas coisas, como eu me apiedo de ver que aqueles que a elas estão submetidos, ainda tornam o fardo mais pesado, ainda tornam o seu cativeiro mais negro, deixando-se roer pela inveja, pelo ódio, pela ambição estéril e improdutiva. (02.05.1962)

Hoje estou num dos meus dias de estranhos impulsos. Às vezes me acontece isso! Dentro de mim brotam forças ocultas, brotam anseios de paz e liberdade tão grandes, tão imensos, tão profundo que eu escrevo as minhas poesias. Neste momento tenho a impressão de que minha alma é um ser feito exclusivamente das coisas da natureza: o vento, o céu, o rio, a floresta, os pássaros, as campinas e coisas assim. Meus ouvidos deixam de ouvir as vozes humanas e captam o cantar dos pássaros, o farfalhar do vento na copa das árvores, o marulhar de regatos perdidos na virgem floresta, doce silêncio de uma sombra amiga, o cheiro virgem da terra etc. Nessa ocasião me sinto infeliz quando não posso fugir para os meus recantos prediletos, me sinto acorrentado pela própria covardia, pois tendo meios para gozar isso tudo, deixo-me ficar preso às coisas tão sem valor.

No meu íntimo sinto que sou livre, tão livre que nada me pode prender e nada obstante sem que eu saiba por que não me atrevo a ingressar definitivamente nessa existência cuja realidade é para mim tão importante.

Sinto-me como um peixe fora d´água, um ser destinado a estiolar-se por aqui e vendo fenecer as suas mais queridas aspirações. Apavora-me pensar na sequência dos anos vindouros, nos 365 dias de cada ano que passa, nos 30 dias de cada mês, nos 7 dias de cada semana, enquanto eu permanecer neste deserto, nesta solidão cercado de pessoas.

Eu me pergunto tantas vezes quantos anos de vida Deus me concederá, para que eu deva me privar daquilo que faz parte de mim. Não encontro mais paz e no meio de tantas vozes deixo de escutar a única voz que se deverei ouvir, que é a voz do silêncio. (27.08.1962)

Tudo é muito terreno, sem abstrações metafísicas ou tendências anacoréticas. Creio que Deus precisa viver a nossa vida, sentir o seu mundo através de nós; participar da sua criação através da sua criatura. Estou dentro da doutrina do filósofo que disse: “a futura idade será caracterizada por uma descida do Divino para o plano material da existência, para aqui realizar o final de sua grande obra”. (27.08.1962)

A minha ideia de felicidade é: rede, a paz do silêncio, o direito de trabalhar quando desejo e malandrar quando assim pede meu corpo, sonhar com um mundo melhor e dar minha pequenina parcela para que assim suceda, adorar a Deus em silêncio, sem apegar-me a religiões, ver Deus na árvore frondosa, na grama do campo, no pássaro, na água, nas nuvens do céu, no trabalho incessante da natureza, na atividade vital dos seres etc. (11.04.1963)

Talvez em Brasília encontre a tão sonhada tranquilidade perdida desde que saí de Santarém. Sou bicho do mato e gosto daquilo que a maioria das pessoas detestam: sossego, paz, tempo para meditar e contemplar o céu, as nuvens, as estrelas e sonhar com tudo aquilo que eu perdi. Bom mesmo é Santarém e Mar Grande, onde ando com uma saudade de andar com os pés no chão, chapéu de palha na cabeça e ver o rio imenso ou o grande mar! (17.04.1967)

… Ainda não desanimei de encontrar o meu Shangri-lá, a minha terra de paz, o meu canto tranquilo para envelhecer com simplicidade e doçura e socorrendo aqueles que precisam.

Perdoem-me as divagações, mas Brasília será para mim uma cidade que fica próxima a Mato Grosso e lá existe um mistério que desde o berço que eu sonho com aquele lugar nos meus inexplicáveis momentos de devaneio. (17.04.1967)

Escoam-se os dias, as semanas e os meses, sem que o sintamos. Isso sucede com frequência àqueles que vivem nas grandes cidades. Mas volta e meia meus pensamentos voam até essa terra bendita e vão pousar lá naquele outeiro onde hoje se firma o Mistério! Nessa ocasião eu me vejo ali, rendendo graças à Divina Mãe, na hora Santa da Ave Maria. Minha alma paira sobre os doces encantos dessa Ilha de Itaparica, onde sinto vontade de ficar dias e dias olhando o céu, o mar, as belezas infindas da natureza, esquecido do mundo, de seu tumulto, de suas ambições, mesquinhez, glórias vãs e lutas diárias. Nessa ilha repousa o mais sublime mistério, relacionado com o fim deste ciclo e aí se firma uma Augusta Tríade, tendo no centro um Aspecto Feminino da Divindade: Lorenza! (25.09.1967)

Devo esperar o dia em que me seja dado depositar o fardo, e dedicar-me inteiramente à vida que gostaria de viver, onde escreverei as minhas poesias pobres, minhas histórias (que ninguém as lerá), difundirei a esperança de um futuro melhor, falarei nas grandezas da Obra a que pertenço e transmitirei a todos os que me pedirem os conhecimentos que venho armazenando dia a dia no meu coração e no meu cérebro. Esse dia chegará e então serei plenamente feliz! (25.09.1967)

Às vezes gostaria de apanhar meus trastes e partir, nunca mais pegar em dinheiro, viver na contemplação de coisas simples, escutando apenas as vozes naturais da floresta e dos campos. Felizmente este estado de alma não é permanente, pois se o fosse, pobre de mim… (25.09.1967)

Há 14 anos eu desembarcava em Fordlândia, vindo de Brasília, onde voltava para casa depois de quase meio século!

Também nesta data, em 1924, foi fundada a S.T.B., a qual estive ligado à maior parte de minha vida. Foi uma rica experiência espiritual e guardo boas recordações daquele sonho. Não estava preparado!!! (10.08.1984)

Depois de muitos dias sem chuva, ontem Deus teve pena das nossas plantas e abriu as torneiras. O céu ficou limpo, os passarinhos mais alegres, a terra menos ressequida e a temperatura voltou a ficar gostosa em torno dos 25º. Dias como o de hoje, fresquinho, silencioso e com uma leve brisa, acendem ainda mais as minhas recordações do passado. Meus pensamentos voam e se perdem por este Tapajós à dentro, como que a procurar alguma coisa perdida, algum lugar mágico ou encantado, onde um tesouro de paz, amor e felicidade se esconde. A esperar-me desde há milênios.

Este rio milenar guarda uma história que ele não contou a ninguém, pois ainda não chegou a hora dessa revelação. Há milhões de anos, esse Tapajós desaguava no mar e não no rio Amazonas, que nesses recuados tempos ainda nem existia. Sua verdadeira história é antiquíssima e os homens a ignoram por completo. Tudo isso eu sei e sinto, como se no mais profundo da minha memória, alguma coisa repousasse escondida, a espera do momento de revelar-se. (09.12.1990)

Sou um incorrigível saudosista! Hoje eu olho o mundo que me cerca, com certo desprezo e desencanto. Tanta besteira, irracionalidade e fatuidade, pois isso tudo me irrita. Às vezes me pergunto se a definição do homem como ser racional, não deveria ser revista. Felizmente já existem grandes cientistas que estão invadindo o “além”, buscando respostas para o mistério da vida. Será deles que receberemos a nova mensagem, pois os extremos estão se tocando e o místico, e o sábio já não precisam mais se antagonizar, pois as suas linguagens já são quase a mesma. (20.05.1991)

Meu aniversário! 73 anos! Já fui ou vim bastante longe. Vida rica em experiências. Que fazer com ela? Quem ou o que vai aproveitá-la depois que eu me for? Às vezes eu penso que não vivi e nem vivo para mim e sim para “alguma coisa”, maior do que eu! (17.09.1994)

Amanheceu um dia triste e chuvoso. Aproveitei para pensar um pouco sobre esses 2000 anos da chamada “era cristã”. Relembrei as palavras e os ensinamentos dados pelo Cristo. Através de Jesus, segundo nos relatam os nada confiáveis evangelhos, cheguei à conclusão que esses últimos 2000 anos nada tiveram com aqueles ensinamentos. A humanidade, como um todo, não viveu ao menos, nenhuma década de acordo com a pregação da era cristã. Tudo o que a humanidade ganhou (ou perdeu) durante esse período, deve-se à ciência e não ao cristianismo. É sabido o que a igreja romana fez para manter o homem mergulhado no obscurantismo, e aí estão os nomes de Giordano Bruno, Galileu e outros que foram obrigados a silenciar suas ideias pela imposição da igreja. Os ditos cristãos arrasaram as civilizações astecas e incas nas Américas. Outrossim, destruíram tudo o que puderam encontrar em várias partes do mundo, sob o pretexto de que certos símbolos e documentos eram contrários  aos cânones da igreja, forjados por homens ignorantes e fanáticos.

Em resumo, o cristianismo não deu nenhuma contribuição valiosa para o progresso e para a melhoria da humanidade. A única exceção deve-se àquela minoria que, ocultamente, isto é, longe dos olhos de Roma, se reuniam em segredo para um trabalho sério de redenção humana, onde a verdade, aquela verdade que Jesus não quis revelar a Pilatos, foi cultuada e deu seus frutos a uma pequena minoria que teve coragem, abnegação e sacrificou-se para que essa verdade não se perdesse. (01.01.2000)

Hoje olho para trás, para esses longos e ao mesmo tempo curtos 79 anos de existência e não acho que tenha feito algo que valesse a pena. Como todos os mortais, apenas limitei-me a “viver a vida” tal como ela se apresentava a cada dia… É possível que tenha errado mais do que acertado durante este período, mas procurei (isso eu garanto), errar o menos possível.

Sempre fui um furioso leitor e a curiosidade foi imensa, especialmente às coisas que dizem respeito a Vida. Pensei muito em Deus, sempre O busquei e nessa busca, li muitos livros, como a Bíblia, o Bhagavad Gita, livros da doutrina de Buda, os Evangelhos, o Alcorão, as Epístolas de Paulo e os livros teosóficos ou chamados de ocultismo. Em toda essa busca cheguei a formular um conceito sobre Deus, isto é, sobre o meu Deus, que pode ser inteiramente diferente daquele de outras pessoas. (17.09.2000)

Não sei o que é felicidade, acho que nunca fui feliz, talvez tenha tido uns fugazes momentos, mas o único que lembro, foi quando depois de um ano fora da minha casa paterna, regressei ao meu lar e pude abraçar, cheirar e ouvir a voz de minha mãe, pisar descalço os velhos tijolos da “Casa grande” no Urucurituba, abraçar meu cachorro, ver meu passarinho de estimação (que reconheceu a minha voz e veio ter comigo). Esse foi talvez o meu único momento de felicidade!

Andei por muitos lugares deste Brasil, conheço praticamente todas as Capitais dos Estados brasileiros. Morei dois anos em Maceió e adorei aquela cidade. Em Brasília morei oito anos e enfastiando-me desse lugar, voltei ao Tapajós e fui morar em Fordlândia e finalmente em Santarém.

Detesto a velhice! Ela só me trás desânimo, cansaço, achaques e perda do gosto de viver. Tudo o que quero é o direito de viver os dias que me restam sem quaisquer compromissos e me deixem viver em paz.

Não estou pensando em morrer, mas não temo a morte, pois seria estupidez temer algo que se sabe inevitável. O que me apavora é a doença… Estou convencido de que há um “outro lado” da vida, não sei como é, mas ao partir estarei num “país” estranho, com suas leis e seus modos de ver. A morte é uma lei universal: o sol morrerá um dia, a lua também, e a terra idem. Tudo tem um fim, somente o universo é terno, uma vez que ele é infinito. É inútil temer a morte!

Acredito que nesse “país” para onde todos iremos, as condições de vida variarão de acordo com cada um. Não há Inferno, e se o há, nós já estamos nele. Haverá lugar pior do que este? Onde desde que nascemos, já trazemos a certeza de que morreremos e que tudo o que façamos no fundo não vale nada!  (17.09.2000)

Há muitos anos, desde que tornei-me um teósofo, adotei o lema do Maharajá de Benares que é: “Satyat nast paro Dharma” que significa: “Não há religião superior à Verdade”. Assim, como a Verdade é Deus, todas as verdadeiras religiões são inferiores a Ele e são caminhos através dos quais os homens O buscam. (17.09.2000)

…A morte já está em nós desde o primeiro vagido e ela realmente não existe como uma entidade odienta, que vem de algum lugar e nos ataca, a morte, como tal, não existe. Não é a morte que chega e sim a vida que parte, depois de habitar nosso corpo. Por um tempo determinado ela parte e irá habitar outro corpo ou dissolve-se num oceano de vida de onde um dia saiu para nos habitar. A vida é um mistério, sabemos que ela existe, mas não sabemos o que realmente ela é. (21.10.2000)

Ultimamente estou vivendo uma fase bastante diferente. Sinto uma espécie de vazio dentro de mim, como se nada tivesse a mínima importância. Esta fase já perdura há bastante tempo. Aquela sensação de que algo transcendente existia dentro e fora de mim, parece que desapareceu. Se faço algo, não é com entusiasmo e nem com vontade de realmente fazê-lo. Sempre fui um leitor inveterado, estou com vários livros inéditos e não me animo sequer a folheá-los. Eu que tanto gosto de ler livros relacionados com o desenvolvimento da espiritualidade, que me faziam penetrar mais fundo nos temas teológicos, agora não acho ânimo para isso. Tenho a sensação de que a minha alma deixou de me enviar aquele fluxo de energia que me mantinha sempre “aquecido” e voltou sua atenção para outros rumos que lhe são mais agradáveis. Deixei de praticar a meditação e nas horas em que eu me dedicava a isso, prefiro entregar-me ao deleite da música. Os noticiários dos jornais das TVs não me atraem, pois estou farto desse ramerrão de crimes, sequestros e política…

No íntimo de meu coração, sinto vontade de voltar àquela busca, aquela paz interior em que eu ficava só comigo mesmo e me sentia cheio de Graça. (07.12.2001)

…Já devia estar preparado para o que vejo, pois há muitos anos sei que estamos num “fim de ciclo apodrecido e gasto”, como dizia o enigmático Professor Henrique J. de Souza. (11.08.2002)

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