DANIEL DESCEU A TERRA

            Havia no céu um anjinho insistente e impaciente por vir para a Terra. Queria porque queria viver a experiência de ser gente. Dizia que não podia aguardar mais tempo porque estava sendo ansiosamente esperado… Acontece que para vir, Daniel, era este o seu nome, teria que se inscrever na Fila dos Anjinhos Destinados a Terra. E como a fila já era grande, Daniel entristeceu. Ficou tão triste, que o Chefe dos Anjos, penalizado, propôs aos anjinhos que faziam parte da fila, se eles concordariam em ceder a vez a Daniel, a fim de que a Centelha Divina de Daniel não ficasse sofrendo. Todos concordaram, e até fizeram uma festa bem legal de despedida para Daniel. Encerrada a festa, o Chefe dos Anjos fez a Daniel as seguintes recomendações:   

             Daniel, na Terra você nascerá como menina. Será recebida com muita alegria e amor. Quando começar a ter noção das coisas, procure ser obediente aos seus pais e respeitar os mais velhos. As pessoas na Terra costumam ser descuidadas com a Natureza. Faça então a sua parte, procurando zelar pela Natureza e respeitá-la. Defenda os animais, porque os homens se servem deles, esquecendo que assim como gente, os bichos também se cansam, sentem dores e adoecem. Procure ser amável e fraterna com as pessoas; todas elas um dia também foram anjinhos, só que esqueceram… O mesmo acontecerá com você. Nunca julgue ninguém, porque só Deus sabe julgar com perfeição.      

              Após as recomendações, as quais Daniel ouvira com atenção, ele, bastante animado ele despediu-se dos seus companheirinhos, e como era costume no Céu sempre que um anjinho descia para Terra, deitou-se numa Caminha de Plumas, enquanto um vento forte acompanhado de um clarão, rápido levou-o para a Terra, deixando a Caminha de Plumas no céu, vazia… Daniel era agora apenas uma sementinha no ventre de uma linda jovem: sua futura mamãe; um grãozinho a germinar.

              Os dias foram passando e a sementinha, na qual se tornara Daniel, começou a germinar. Era o começo da vida. De início ele achou estranhou ter se tornado assim tão diminuto. Acostumado a voar e ir aonde quisesse no espaço sem limites onde vivia, de certa forma sentiu-se prisioneiro. O pior é que não tinha asas… Por que não tinha asas? Como não havia a quem perguntar e nem reclamar, ajeitou-se como pôde, enquanto uma sensação gostosa deixou-o mais tranquilo. Era como se ele estivesse boiando em água morna. Seria assim preparar-se para nascer na Terra? Que legal!    

               O tempo foi passando e Daniel começou a sentir as emoções que sua mãe sentia. Percebia quando ela estava triste, quando estava alegre, quando estava preocupada, e quando estava zangada. Gostava mais quando ela estava alegre. De tanto procurar entender o que sua mãe sentia, acabou por cansar-se. Cansaço era coisa que ele desconhecia lá no céu. Passou então a ter mais cuidado para não morrer antes de nascer. Aos poucos Daniel passou a ter vaga ideia do que era tornar-se gente. Será que as pessoas entendiam o quanto era importante nascer? No Céu o nascer era bem mais simples, o poder da mente é que produzia os anjinhos.

                De tanto tentar entender o que se passava, acabou se esgotando. Caiu então em profundo sono. Quando acordou, dias haviam passado. Ele crescera… O espaço tornara-se ainda menor. Chega daqui, empurra dali, até que conseguiu se ajeitar. Difícil viver num lugar assim, logo ele, acostumado à amplidão. Mas não era de todo mal. Sentia que sua mãe estava feliz e isto lhe bastava. Se ela se zangasse ou sentisse raiva, aí sim, ele sofria… Não sabia por que sofria, mas era o que acontecia. De tanto procurar posição melhor, um dia escutou sua mãe dizer que ele era inquieto. Em outra ocasião, tendo já decorrido vários meses, ouviu-a dar um ai dolorido. Era porque ele estava rechonchudo. Mas gostou de saber que mesmo assim ela se sentia feliz em carregá-lo. No Céu já lhe haviam dito que ele seria esperado com muito amor. Deve ser horrível não ser esperado desse modo. Quis sorrir, mas cadê os dentes? Não tinha dentes. Resolveu então dormir, pois fome mesmo ele não sentia, era alimentado por um cordão comprido ligado a ele pelo umbigo. Quando sua mãe orava, era o momento que ele mais gostava. E as músicas que ela ouvia? Músicas suaves, nenhuma barulhenta. Ouvi-la cantar então, que bonita era a voz de sua mãe. Mas o momento mais gostoso era quando ela falava só para ele. Ah! Quantas palavras bonitas e positivas ela lhe transmitia. Que fascinante era ser gente! 

                   Tão entusiasmado ficou, que Daniel não se conteve: em pensamento mesmo gritou para os companheiros: — Hei pessoal! Estão me ouvindo?

                   Claro que o ouvimos, Daniel! Sentimos sua falta, principalmente nas brincadeiras. E aí, está gostando?

                   Bem, quer dizer… Na verdade por ora tenho pouco espaço, mas estou bem. Sou muito querido e sabem por quê? Porque fui planejado. Não vim por acaso… Isso é muito importante. Quando isso acontece, Deus escolhe anjinhos da melhor qualidade. Não que eu seja melhor que nenhum de vocês, mas convenhamos, há alguns anjinhos preguiçosos, não querem largar a boa vida que levam. Estou crescendo… Mas ainda não tenho asas. Também se tivesse seria diferente das pessoas e teria sérios problemas. Não vê o que aconteceu com Jesus? Lembram dele? Escondeu tanto as asas, e mesmo assim foi tão martirizado. Não posso crescer demais senão minha mãe não aguenta. Ouvi dizer que nove meses são suficientes. O que me entristece é que irei esquecer vocês e de onde vim. Em compensação, a sensação de ser gente, que sempre desejei, não deve ser tão ruim assim. Se for, paciência, agora não dá mais para voltar. Quando tornar-me adulto, pretendo fazer grandes coisas, e se possível começar ainda criança para dar bons exemplos. Serei uma criança de um Tempo Novo!

                    Que bom Daniel! Estamos todos torcendo por você! Sempre que for permitido, procuraremos ajuda-lo.

                    Meses se passaram e um dia Daniel sentiu que a falta de espaço era irremediável. Sensação horrível a de não poder mexer-se. Queria ficar, mas ao mesmo tempo queria sair… Até onde ele conseguiu ver a si mesmo, estava inteiro e completo. Uma fofura! Costumava pôr o dedo na boca, mas agora nem isso mais conseguia. Insuportável continuar ali. Preciso sair, preciso sair. Mas como sair? Se não sair, morro… E se não sair minha mãe também morre.  

                     Chegara a hora… Os gemidos de sua mãe, o esforço dele junto com o dela, e a Natureza fazendo a sua parte… Finalmente expulso! Benvindo a Terra! Mundo estranho este, pois palmada foi o que primeiro recebi. Que modo bruto de me receberem. Mundo que me fez resmungar angus, angus, sem nem eu mesmo saber por quê. Quase sem enxergar, consegui ver leves traços fisionômicos de minha mãe, e uma sensação muito agradável: colo materno, e um coração a palpitar. Estou tão sujo… Mesmo assim fui acariciado e coberto de beijos! Que maravilha! Que prêmio, depois da batalha que é nascer… Mudança brusca é verdade, que os homens admiravelmente chamam de Dar a Luz A LUZ DE DEUS.

                       E Daniel ouviu, pela primeira vez, o nome com que se chamaria: DANIELA. Bem que o Chefe dos Anjos preveniu-o que na Terra ele seria menina. Essa coisa de masculino e feminino, entre os anjinhos, não existe. Ou são filhos do Sol ou da Lua. Uma voz a qual já se acostumara interrompeu seus pensamentos: querida DANIELA, há tanto tempo a esperávamos. Podem imaginar como é bom ouvir uma saudação assim?

                       Um banho gostoso e uma camisolinha nova, e Daniela toda cheirosa, curtia o colo da mamãe, e recebia do pai um olhar meigo, cheio de ternura. Já em casa, parentes queriam ver a nova criança, mas Daniela só mamava e dormia, dormia e mamava, mamava e dormia. Fizera tão longa viagem… Quanta coisa bonita ela agora via ao pegar no sono: um monte de bebês rodeando seu berço. Mas eles tinham asas… De onde teriam vindo? Será que eu deveria ter asas e nasci sem elas? Era o esquecimento que o nascimento na Terra faz acontecer. Daniela não mais lembrava que havia sido um anjinho que viera do céu. Os bebês que a rodeavam eram aqueles seus amiguinhos, saudando-a. Quando chegasse a vez deles, também perderiam as asas e esqueceriam…

                        Passou-se o tempo. Daniela tornou-se uma menina alegre e de bom coração. Estudiosa, soube seguir os conselhos do Chefe dos Anjos. Quando adulta, casou-se e teve dois filhos gêmeos planejados: JOSIEL e CASSIEL, dois anjinhos que brincavam com ela quando no céu era conhecida como Daniel… Um dia, quem sabe, contaremos a vida desses dois anjinhos-gêmeos.

 Zélia Scorza Pires

São Lourenço, 24/08/2000

 

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