Por: Henrique José de Souza
“A Lei do livre arbítrio” é um fato, negue quem o quiser, pois que é o próprio homem quem a institui para si mesmo, segundo a sua evolução ou involução, o que tanto vale pelo acúmulo de escandas (tendências), boas ou más, que o mesmo possua como bagagem kármica, procedente de sua longa viagem através uma série sucessiva de encarnações, na razão da fábula grega de “Psique em busca de seu bem amado”, isto é, a alma à procura do Espírito; o “eu-inferior” que deve desposar, casar, ou melhor, realizar a mística exigida união com o “Eu-Superior”, por força de Lei “divorciados quando da queda do espírito na matéria”. Essa, sim, é que pode ser considerada como “a alma Irmã” cantada pelos poetas, mas nunca, no sentido puramente sexual, com que eles manejam a sua lira, positivamente desafinada com a da “harmonia das Esferas”, que bem se pode traduzir como a do AMOR entre todos os seres da terra, para não dizer, desde logo, da FRATERNIDA UNIVERSAL DA HUMANIDADE, embora que, “universal”, vá muito mais além de nosso pobre globo, atingindo, portanto, a todo o sistema solar a que pertencemos.
Porém, como entre PODER o homem vulgar fazer o que bem entender, e do DEVER, vá grande distância, aí está o próprio termo DHARMA, que se dá a Lei para provar o contrário, isto é, DEVER.
Ademais, que vem a ser o “remorso”, que tanto vale pelo grito de revolta lançado pela Voz Interna ou da Consciência, a quem não A quis ouvir antes de praticar o crime? Não há uma só criatura humana que não tivesse passado por essa angustiosa reclamação, que vem do mais profundo de seu ser, e que a todos, sem exceção, tem feito derramar lágrimas de desespero, lágrimas de dor e de arrependimento!
Essa mesma “Lei do livre arbítrio” atua poderosamente sobre a realização ou não de determinado Karma, desde que, evoluindo rapidamente, o homem pode modificá-lo, ou mesmo apagá-lo, porque até o Karma, afirmo-vos hoje, é relativo, para não dizer, uma “maya” para aqueles que o sabem vencer, esmagar etc. O próprio termo “causa e efeito” que se lhe dá, demonstra que, se um indivíduo possui este ou aquele Karma, isto é, de passar por este ou aquele sofrimento, mas se a sua vida – pela mesma “Lei do livre arbítrio” passou por grande modificação do que era anteriormente, isto é, evoluiu o ser, mais ou menos equilibrado nas duas conchas da Balança, por isso que, em fiel para com a Lei, na razão de Amor para uma, e Sabedoria para outra – repetimos, tal ou tais sofrimentos kármicos podem ser modificados e até, destruídos ou anulados.
O genial teósofo Roso de Luna, em seu maravilhoso estudo “Quando se Morre”, procura provar tudo quanto vimos de enunciar, exemplificando por meio de um indivíduo que, ao invés de ficar em casa, em uma noite tempestuosa, ainda mais, debaixo de um cobertor de lã, como um dos melhores processos isolantes para a eletricidade, expõe-se à tormenta, indo para o campo etc. Além de encabeçar o referido estudo com a suasória frase “Os Astros Inclinam, mas não Obrigam”, até mesmo, dizemos nós, astrologicamente falando, porque se A ou B nasce debaixo da boa ou má influência deste ou daquele planeta, por assim o exigir seu mesmo Karma, sua vida pode ser encaminhada de outro modo. Assim também, quando nasce nesta ou naquela família, neste ou naquele País! E a prova, quantos aqui se acham, que não tendo nascido no Brasil, por motivos inesperados ou de “livre arbítrio”, para ele vieram ter? E muito mais ainda, para a nossa Obra? Dirão alguns que esses já nasceram com tal Karma. Não quero negar, mas também essa negativa não prejudica a afirmativa, porque ninguém por sua vez, pode negar que o Karma fosse posterior ao nascimento, desde que a bagagem não é só do passado, como todo mundo o sabe, mas também do presente. E bastaria o fato de estar em nossa Obra, para provar, ou que, seus sofrimentos foram tão grandes que apagaram os anteriores, ou sua evolução foi tão rápida, que direito lhe assistiu de deixar para trás um passado-presente, como se fogueira imensa destruísse todas as suas faltas, todos os seus erros, pouco importando que ainda hoje de outro modo sofram… Mas se sintam felizes por seu coração repleto de amor pela Obra, que tanto vale para com todos os seres da Terra. Assim, no Brasil, possuem por pátria o mundo inteiro, sob aquela espiritual sentença de que, O SOL NASCE PARA TODOS!
Abrimos aqui um parêntese, a fim de fazer sentir, uma vez por todas, que o Adepto como “Senhor do Karma”, não pode ser confundido com o homem vulgar, que é bem “o escravo ou vencido pela Karma”.
A missão do Adepto, o disfarce com que deve apresentar-se aos olhos do mundo, muitas vezes o obriga a agir de modo igual ao homem vulgar. Não esquecer aquela lenda bem conhecida de “um Adepto que se fez chefe de uma quadrilha de bandidos”, com o fim de modificar o caráter dos seus comandados. Toda vez, por exemplo, que ele podia evitar o crime, especialmente o assassínio, o fazia. Outrossim aquele mendigo com o qual se encontrou Alexandra David-Neel, e que ao lhe perguntar (através o Lama Yongdem) de que vivia, obteve do “mendigo”, como resposta: “De transformar esterco de cães em estrelas luminosas”, por sinal que a heroína de tantas façanhas, não soube interpretar o verdadeiro sentido daquelas palavras, que é: “procuro salvar ou iluminar toda alma imunda, que de mim se socorrer”. Ademais, à própria Mônada se dá o nome de “estrela”, na razão daquela “chuva de estrelas” caídas dos céus, ou antes, do Seio de Ishvara.
Outrossim, o fato de alguns serem doentes, e a maioria composta de pobres, alguns deles, mendigos, vendedores de água no deserto, e outras coisas mais. Dos muitos que temos encontrado (perdoe-se o atrevimento da afirmativa, já que foram eles que nos buscaram…), somente um era RICO, ou melhor, multimilionário, pois que descendia de riquíssima e tradicional família escocesa, por sinal que conhecido por H.P.B. como “o velho gentleman escocês”, como se pode verificar por seus escritos. E isso, dizemos nós, pelo importantíssimo papel que lhe viria caber um dia, entre verdadeiros “nababos” norte-americanos… de cuja missão se saiu admiravelmente bem. Comparamo-lo mesmo, com a missão do CONDE DE MONTE CRISTO, ou o simples marinheiro Edmundo Dantês, que atraiçoado por seus amigos, foi ter à prisão do “Castelo d´If”, onde se fazendo discípulo do Adepto – abade Faria – foi o agente kármico que se conhece, através as prodigiosas páginas do iniciático romance de Alexandre Dumas, junto a criminosos profissionais (dentre eles os que o traíram), com os pomposos títulos de Barão de Danglara, Conde de Morcaf, Visconde Villafort, ao mesmo tempo, juiz para condenar criminosos vulgares…
Pelo que se vê, fatalidade ou Karma, dos hindus ou o “estava escrito”, dos árabes; anankés, dos gregos; e fatum, dos romanos, sujeita-se à modificações, na razão já apontada de evolução de cada ser. E isso, porque essa energia interior, realmente divina, que vive potencialmente e mais ou menos potencializada em todas as coisas, que abarca o universo por inteiro e a todos os seres que o povoam, e que tem por trás de si todas as possibilidades, é representada pela Tríade Radical e Neutra: LIBERDADE, ENERGIA LATENTE e FATALIDADE. A verdade é a energia latente. Se esta é firme e consciente, o ser se aproxima do polo positivo: a LIBERDADE; se pelo contrário, é débil e inconsciente, sujeito fica ele às circunstâncias exteriores e às suas respectivas leis, a FATALIDADE, portanto. Tudo depende, pois, da evolução dessa energia interna, que na etapa humana pode ser chamada de VONTADE, ou antes, CARÁTER, segundo o mesmo se encontre mais ou menos expresso, mais ou menos manifesto, para não dizer, mais ou menos puro e desenvolvido. Todos os seres de qualquer categoria se expressam por sua energia latente, que é quem lhe dá valor na vida, desde o micróbio, o inseto etc., até o astro. Quando essa energia interna é avassaladora em alguns dos planos, cedem os obstáculos, e isso nos dá a ilusão da LIBERDADE, sim, porque LIBERDADE plena só se pode alcançar no fim das coisas, aparte à idéia de um céu ou Devakan como simples “maya”, que se desfaz logo o ser tenha completado o impulso do pouco que praticou de bem na Terra, algo assim, como o despertar de um sonho feliz, para a realidade de uma vida de esforço e de trabalho, para não dizer de lágrimas e sofrimentos sem fim…
E assim, sendo débil a energia interna, sujeito se acha o ser a FATALIDADE do meio ou ambiente… “Aos que muito possuem, muito se lhes dá, aos que pouco possuem, também pouco lhes será dado”, assim diz o Evangelho, embora que, como sempre, muito mal interpretado.
Essa “energia-latente” começa pelo que se conhece como princípio “Kama-manásico” ou passional e culmina no Mental Superior ou Budhi-Taijasi… Por isso que a responsabilidade kármica, no início das coisas, não podia ser severa como hoje, na razão de “a quem muito foi dado, muito será pedido”, como não o é, ainda, para o selvagem, como uma degradação ou queda de civilizações extintas, ou que pagaram o tributo kármico afundando-se nos abismos oceânicos, quando não, destruídas pelo Fogo, já que são esses dois elementos os purificadores da alma humana. E assim, seus remanescentes, abandonados em grandes regiões, capazes de os separar uns dos outros, conduziram-nos ao estado de selvagismo, tal como acontece aos próprios animais domésticos, quando perdendo seus donos ou mesmo fugindo para as selvas, se tornam mais terríveis do que as próprias feras. Haja visto o “porco montês”, ou “montado”, que já tendo sido doméstico, monta, como seu próprio nome o diz, nas regiões afastadas dos seres humanos… e acabam por chegar ao referido estado de ferocidade.
E “a quem muito for dado, muito será pedido”, serve de exemplo à nossa própria Obra: a responsabilidade de um membro da Série Interna, é muito maior do que o das series iniciantes, e mesmo destas para os homens vulgares ou não pertencentes à nossa Obra. Por isso que não podemos deixar de ser ENÉRGICOS, SEVEROS, na razão do máximo ao mínimo, ou do maior para o menor… À uma criança não se impõe os mesmos castigos que aos homens ou adultos, porquanto as responsabilidades diferem, na razão da idade, como marcha evolucional para cada vida. Donde a frase atribuída a Jeoshua: Senire parvulos venire ad me… “Deixai vir a mim as crianças”, não por serem inocentes, propriamente dito, porque, embrionariamente já trazem seu Karma, porém, por não tendo este se manifestado ainda, nenhuma responsabilidade possui aquele que começa a aflorar na vida, por isso que “dependente de tudo e de todos!”
Em resumo, o homem deve praticar o Bem por amor ao Bem; praticar a Verdade, por amor à Verdade. E assim, estará dentro da Lei, porque esta é a EVOLUÇÃO, e nada mais. É, pois, através do BOM, do BEM e do BELO, que o homem chegará a alcançar o pináculo da GLÒRIA, que tanto vale por NIRVANA ou SUPERAÇÂO, LIBERAÇÂO etc. Este é o que se pode chamar o RETO CAMINHO, seguido por todos os Seres de Compaixão. É o próprio caminho teosófico, eubiótico, do qual ninguém se deve desviar, sob pena de ser “lançado para fora da corrente”, como se costuma dizer, ou antes, para distante da evolução integral das coisas, na razão do selvagem e do animal, daqueles nossos exemplos que acabam por destruir a si mesmos.
Quanto ao selvagem, dever dos que possam atraí-los para o seio da civilização, mas nunca, como fazem muitos, que só desejam explorá-los, arrancando-os do seu habitat, suas terras etc., quando não os trucidam criminosamente, por considerá-los indignos de qualquer redenção, auxílio, proteção… E depois, não quererem que os mesmos os recebam de modo hostil, se a tradição vil e traiçoeira já chegou aos confins das selvas, às tabas, aos pajés, a todas as tribos que não foram contempladas com o fraternal carinho, que deve existir entre todas as criaturas, das mais às menos evoluídas. Inimigos, portanto, dos civilizados, porque as lições que receberam vieram apenas através das mais dolorosas tradições.
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Ano 1948